A manhã fria não impede Nicolau de entrar no seu carro e conduzir sem destino pelas ruas da cidade que o viu nascer. Só, não é uma manhã qualquer, é 25 de dezembro, dia de Natal. Tem sido assim nos últimos anos, pelo menos desde que formou família, deambula pelas ruas, guiando, à procura de um café aberto. Indubitavelmente acaba por entrar sempre no mesmo, o que está aberto na manhã desanimada do advento. Tem piada, são quase sempre os mesmos, vasculham os jornais de véspera, vêm notícias gastas e usadas pelos canais da televisão, pendurada na parede. Há quem traga um livro debaixo do braço, para continuar a leitura, terminar um capítulo, o final de uma história. Nicolau bebe o café em chávena cheia, sem meias medidas, despeja o conteúdo quase todo de uma vez, para não perder o sabor forte dos grãos moídos, dissolvidos na água quente, sempre escorrer da máquina, na manhã fria. Depois fica ali sentado a olhar para nenhures, só a sua cabeça acelera em sentido contrário, de volta aos natais da sua meninice. Nas noites que antecediam o nascimento do Messias, ao redor da lareira, onde a velha frigideira de ferro pousada na trempe, cheia de azeite, aquecido pelo lume que lhe lambia a base. Enquanto a massa flutuava no óleo de oliva, e um garfo com dois enormes dentes auxiliava a virar esta, pouco maleável e cada vez mais dourada, ouvia as histórias. Não tirava os olhos do lume, nesse tempo o protagonista era o Menino Jesus, atualmente, Pai Natal. Sempre junto da mãe, das tias, Nicolau, sonhava com o Menino Jesus, e as prendas para deixar no sapato colocado junto da lareira. O pai e os tios dialogavam sentados à mesa, petiscando e bebendo vinho. Nicolau deixou de os ouvir, o café ficou para trás, a memória levou-o para lugares que poucos conheciam, ou de ouviram falar alguma vez, a Terra Fantástica. No dia, onde subitamente lhe surgiram quatro Duendes, Eni, uma jovem cheia de graça, Kauan, apelidado de Falcão, sempre em alerta com o mundo, Aila, a luz e a nobreza em pessoa, e Alvar, o guerreiro. Nicolau rachava lenha, não muito longe, estavam quatro coelhos observando-o, quando de repente surgiu apressadamente da floresta, um lobo a rezingar ferozmente na direção dos pequenos animais selvagens. Nicolau quando dirigiu o olhar para o local onde estavam os coelhos, não os viu, no seu lugar estavam quatro criaturas com umas orelhas enormes. Em voz alta disse umas palavras para o lobo. Desorientado e inseguro com o que ouviu, o lobo afastou-se uivando prolongadamente, como se o mundo fosse desabar. As criaturas indecisas, não sabiam o que fazer, olharam uns para os outros surpreendidos, não eram coelhos, mas sim, duendes. Foram descobertos por aquele homem vigoroso, que os observava cheio de curiosidade. Submersos na escuridão, expostos ao frio permanente naquela terra, Nicolau convidou-os para o seguirem a sua casa. Os duendes sabiam que tinham observado no céu, umas léguas atrás, o sinal previsto. A marca anunciada desde os primeiros tempos, no seio do povo Sami, pastores que seguiam os rebanhos pelos trilhos das terras de Rovaniemi. Reconheceram no homem a quem confiavam agora a estadia na sua casa, o elo para finalizarem a aventura que os levou ali. Relataram a Nicolau a sua origem, a finalidade da missão naquelas terras no meio dos vales, distantes das montanhas. A lareira da casa do Nicolau tinha uma boca larga e funda, os pequenos duendes estavam sentados no mesmo espaço onde as chamas dançavam com alegria. Espalhavam no ar palavras de fogo, que se apagavam bruscamente nas correntes de ar, borrachas invisíveis. Foi assim que souberam o rumo da sua missão, de um momento para o outro, o fogo entusiasmou-se, as fagulhas começaram a dispersarem ao mesmo tempo, o som da fogueira em combustão transformou-se numa voz rouca. Os duendes, mágicos das florestas, não esperavam aquele acontecimento, ficaram pregados nos bancos a ouvirem o fogo. A chamas aumentavam ou diminuíam consoante a altivez da voz, foram informados da continuação da viagem até ao sopé das grandes montanhas. À terra onde o sol permanece pouco tempo, teriam de capturar seis possantes renas brancas. Domestica-las não seria difícil, habituados no território de Rovaniemi a esse trabalho, tinham somente de empregar a magia para as seduzirem. Mesmo assim o resto da missão seria uma tarefa complicada para estes amigos. Nunca pensaram, para atingirem os objetivos, teriam de arriscarem as suas vidas até à Terra do Sol Minguado. Os cinco, Nicolau também os acompanharia, não deixaram as horas de um novo dia se adiantassem muito. Puseram-se ao caminho, o silêncio ensurdecedor na escuridão perseguia-os, habituados há ausência de luz, caminhavam atentos, para não serem surpreendidos por algum animal faminto. Nicolau abria o trilho, seguido pelos quatro amigos entusiasmados de serem eles os escolhidos pelo seu povo a atingirem a Terra dos Contos de Natal. De onde vinham, a passagem de forasteiros por lá, trazia sempre, vozes a falarem, desse lugar encantado, onde as pessoas cresciam a ouvirem histórias sobre o Natal. Mas, nenhum deles a conhecia, tinham lido nos livros antigos, esses livros nunca tinham chegado às paragens de onde eram originários. A curiosidade foi crescendo no povo Sami, sobre a Terra dos Contos de Natal. Seria a oportunidade dos Sami recuperarem os sorrisos, de fazerem novamente travessuras pelas casas durante as visitas sem serem notados, quando todos dormiam. Nicolau, é o que tem maior conhecimento nas entradas furtivas, penetrando nas habitações pelos locais mais improváveis. Necessitavam da sua experiência, do meio de transporte, na viagem ao futuro, para alcançarem o objetivo para o qual foral eleitos. O rosto bonacheirão do gigante que os conduzia pelo apertado trilho, rodou na direção das pequenas criaturas. – Têm forças para continuarem? – Perguntou o Nicolau. Debaixo da forte tempestade de neve, há algumas horas não os abandonava. – Apesar de termos uma estatura muito reduzida, possuímos força. – Respondeu Aila. – Comandei o exército Samir em muitas batalhas nas terras de Inari, contra grupos étnicos de eslavos. – Disse Alvar. – Somos um povo de pastoreio, habituados a percorrermos caminhos difíceis pelas montanhas a vigiarmos as renas. – Consolidou Kauan. – Habitamos numa vasta área, acampamos poucos dias, nos sítios escolhidos, em segurança ao longo do nosso território, debaixo das tendas feitas das peles dos animais que capturamos. – Acrescentou Eni. Impacientes, precipitaram-se no trilho, continuando a percorrerem a longa distância que os separava da região onde habitavam as renas que, supostamente os levariam à Terra dos Contos de Natal. A cadeia, de montanhas deixaram-se avistar, a tempestade ficou há algumas léguas para trás, de noite, ali, no trilho, estava clara, a lua era a rainha. O ânimo tomou conta dos nossos amigos, acelerando-lhes os passos, seria esse o alimento para entrarem na Terra do Sol Minguado. Os primeiros raios solares examinaram da cabeça aos pés os cinco aventureiros, parados no planalto, uma varanda impossível de medir, com uma panorâmica de perder a vista para um vale. Dali, onde estavam assemelhava-se a uma enorme e larga cova, cujas extremidades iam ao encontro ao sopé das montanhas ao longe. No centro desta maravilha natural era possível verem as manadas de renas a pastarem. Assemelhavam-se a pequenos pontos a movimentarem-se lentamente, procurando a erva mais tenra. Demoraram a encontrar o caminho certo para descerem pelos despenhadeiros, por fim, a tundra. A tarefa agora, seria encararem as renas selecionadas e captura-las. Animais poderosos, os machos tinham a seu favor os enormes chifres, usando-os ferozmente quando se sentiam ameaçados. – Serão vocês a assumirem a captura dos animais. – Mencionou Nicolau. – Só assim conseguirão finalizar com sucesso a missão. – Completou. – Temos um plano para os desorientar. – Disse o Kauan. Os outros dois já estavam preparados para iniciarem a perseguição. Nicolau dissimulou-se na vegetação, ficou a observar os pequenos duendes a realizarem a caçada. Os seus antepassados, onde estiverem, estão orgulhosos. – Pensou Nicolau. Oito orelhas de coelhos destacam-se na tundra, aproximam-se das renas, sem desconfiarem, os animais continuavam a comer a erva macia. De um momento para o outro, os coelhos transformaram-se nos pequenos duendes, das bolsas penduradas aos ombros, tiraram bagas de azevinho. Arremessaram-nas com ímpeto para o ar, em contato com o exterior, rebentaram, perturbando a serenidade do local, desconcentrando as renas ao mesmo tempo. Rodearam-nas, não as deixaram sair do círculo imaginário. Cansadas, as renas pararam, deixaram-se prender por cordas ao redor do pescoço, lançadas pelos duendes. Nicolau juntou-se-lhes ainda com os olhos brilhantes com o que tinha acabado de testemunhar. Os duendes estavam tranquilos, habituados que estavam a fazer estas capturas. No regresso à Terra Fantástica não houve conversas, deixaram a Terra do Sol Minguado, a escuridão abraçou-os, as renas tranquilas, guiavam-nos. A casa de Nicolau estava com animação, a viagem ao futuro, à terra dos Contos de Natal, não seria exclusiva. Andavam os duendes e o Nicolau atarefados com as prendas, o enorme trenó, no qual fariam a desejada viagem tem espaço de sobra para as diversas lembranças. – Como irão receber-nos as pessoas da Terra dos Contos de Natal? Atirou par o ar Eni. – Não serão vistos, naquela terra serão invisíveis. – Respondeu Nicolau. – Oh! – Exclamou Kauan. – Para acontecer magia no Natal, a nossa força terá de ser um sentimento que não se vê. – Disse Nicolau. Continuaram a trabalhar, embrulhando e acondicionando no trenó as lembranças que transportariam para oferecerem pelos lugares que atravessariam na longa viagem até à Terra dos Contos de Natal. As renas comiam do melhor capim e arbustos. Para além destes tinham plantas com botões florais, como suplemento energético para enfrentarem a viagem. O nervosismo instalou-se nos pequenos duendes, nunca tinham experimentado uma viagem tão longa. A maior viagem realizada até ao momento, foi a que os levou à Terra Fantástica e à Terra do Sol Minguado. A que se segue seria diferente, ao futuro, à Terra dos Contos de Natal. As renas corriam o melhor que podiam até ao final do penhasco, depois o infinito, as estrelas, seria a via pela qual chegariam ao destino. O trenó flutuava no ar, Nicolau, conduzia com agilidade as renas, os quatros amigos duendes, não tinham palavras para exprimirem o que sentiam. Entraram no futuro, uma bola de fogo entrou na atmosfera e desapareceu, foi desta maneira que interpretaram a fugaz aparição, os felizardos que observaram o momento, na Terra dos Contos de Natal. Nicolau concentrou a condução do trenó aquando a sua passagem nas zonas de conflito para largar lembranças, voltou a subir, evitou embater nos cumes mais altos das cordilheiras. Desceu o trenó, ao ponto de navegar uma breve distância nas águas dos oceanos. Os duendes nunca estiveram tão inquietos como agora. Estavam longe de imaginarem o que a aventura lhes está a mostrar. A tarde acomodava-se no crepúsculo, o frio gelava os ossos, as pessoas escutavam a voz da terra, testemunhavam a sabedoria popular na Terra dos Contos de Natal.